Relatório de 2008 já apontava problemas em presídios do Amazonas
Sessenta presos morreram na rebelião do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. O motim durou mais de 17 horas e foi considerado pelo secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, "o maior massacre do sistema prisional" do Estado. Os problemas nos presídios amazonenses, porém, já haviam sido destacados pela CPI do Sistema Carcerário, que aconteceu em 2008.
O relatório final da Comissão constatou, por exemplo, a superlotação das instituições no estado. Oito anos atrás, o Amazonas abrigava 3.405 presos para 1.708 vagas, com um déficit de 1.677 lugares. A superlotação era de cerca de 97%.
À época, o Estado estava dividido em 62 municípios, com 59 comarcas e contava com 145 Promotores (cujo salário inicial era de R$ 19.973,00), 53 Defensores Públicos (com salário inicial de R$ 7.800,00). Em valores da época, os juízes substitutos tinham salário inicial de R$ 15.435,00. A Capital dispõe de 1 Vara de Execuções Penais.
O relatório destaca que não havia plano de carreira. A guarda externa dos estabelecimentos penais, bem como a escolta de presos, é realizada pela Polícia Militar. Os salários dos servidores variavam conforme a função, de R$ 776,00 para o auxiliar de serviços gerais até R$ 2.550,00 para os médicos especialistas. Ressalte-se que o agente penitenciário tem a remuneração mensal no valor de R$ 1.103,90.
Quadro funcional
De acordo com o relatório da CPI, no Amazonas, em dezembro de 2007, 390 agentes penitenciários atuavam nos presídios do Estado. Destes, 96 são servidores da Sejus e 294 trabalham nas unidades terceirizadas. “Não há plano de carreira, cargos e salários do Sistema Penitenciário do Estado do Amazonas. Os agentes penitenciários não possuem porte de arma”, afirma o relatório.
Relatório de 2016
Relatório produzido em janeiro de 2016 por peritos da área de direitos humanos do governo federal também alertou para o risco de rebeliões em quatro presídios de Manaus, entre os quais o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj).
Na ocasião, uma das conclusões a que o especialistas chegaram é de que os presos das penitenciárias da capital amazonense "basicamente se autogovernam nas unidades prisionais". Na avaliação dos peritos, essa situação afeta "o direito à vida".
Em dezembro de 2015, uma equipe de quatro especialistas que compõem o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), grupo vinculado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) visitou o Compaj e mais três unidades do Amazonas.
Ao final da inspeção, eles identificaram que todas as unidades “estavam sob um clima de grande inquietação” por conta da transferência de integrantes da Família do Norte (FDN) – facção criminosa predominante nas penitenciárias locais – para presídios federais.
“Com isso, foram feitos relatos sobre a possibilidade de rebeliões ou motins nas prisões dominadas pela FDN. Consequentemente, não só os funcionários e os presos desta facção pareceram bastante tensos, como também as pessoas privadas de liberdade não pertencentes à FDN”, diz trecho do relatório.
Situação atual
De lá pra cá, a situação não mudou. De acordo com o último relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Amazonas, atualizado até o dia 30 de dezembro de 2016, o sistema carcerário conta com 10.356 presos para apenas 3.129. O déficit é de 5.939.
O maior déficit acontece nas unidades prisionais do interior. Ao todo são nove unidades de com 2.822 presos e apenas 510 vagas. A superlotação é de mais de 400%.
Já nas 13 unidades prisionais de Manaus existem vagas para 2.619 presos, no entanto, 7.534 detidos lotam o cárcere atualmente. O complexo penitenciário abriga 1.224 e está localizado o km 8 da BR 174, que liga Manaus a Boa Vista. A unidade prisional, que tem capacidade de abrigar 454 presos, está superlotada.
Descaso de recursos
As rebeliões e revoltas em presídios de todo o país não são novidades e reforçam um problema antigo no país: a situação precária do sistema carcerário brasileiro. Enquanto isso, cerca de R$ 3,3 bilhões estão disponíveis” no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), conforme mostra levantamento de outubro Contas Abertas.
O Fundo foi constituído na década de 90 para a construção, reforma e ampliação de penitenciárias, mas a verba, há anos, não é totalmente aplicada. O saldo contábil do Fundo cresceu consideravelmente nos últimos anos. Para se ter ideia, em 2000 o saldo disponível e não aplicado atingiu apenas R$ 175,2 milhões.
Os recursos ainda devem ser dispersados a partir deste ano. No final do mês passado, o presidente Michel Temer baixou medida provisória que transfere parte de recursos destinados ao Funpen, verba prevista para construir e reformar unidades prisionais, para a Segurança Pública. A medida alterou a distribuição do dinheiro arrecadado em loterias, principal fonte do Fundo.
A regra anterior determinava que 3% da verba das loterias ia para o Funpen. A partir de agora, o repasse será de 2,1%, enquanto 0,9% vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).
Para a Contas Abertas, é preciso ter transparência. De acordo com o secretário-geral da entidade, Gil Castello Branco, há preocupação específica com a possibilidade de transferências diretas.
"O que não se pode perder é a transparência, que é maior com os convênios. Com Estados e municípios quebrados, temo que a verba acabe sendo usada para outras finalidades, comportamento que tem precedentes nos últimos anos", disse.
Publicada em : 03/01/2017