Pagamentos a empreiteiras da Lava Jato somaram R$ 1,3 bilhão em 2015

Sem estarem legalmente impedidas de firmar contratos com governo federal, já que apesar dos escândalos não foram consideradas inidôneas pela Controladoria-Geral da União, as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato receberam R$ 1,3 bilhão do governo federal no ano passado. O montante, no entanto, é significativamente menor do que o desembolsado em 2014. policia-federalLevantamento produzido pelo Contas Abertas mostra que o desembolso do Tesouro Nacional a esses grupos caiu mais de 60% no ano. Em 2014, as empresas receberam R$ 3,6 bilhões. A retração é mais intensa, por exemplo, do que a registrada no ritmo geral de investimentos da União em 2015. Os valores ser referem a contratos diversos de engenharia e construção. O montante de capital chamado de “empenhado” (quando o Estado reserva dinheiro, por exemplo, após a assinatura de um contrato) caiu de R$ 3 bilhões de janeiro e dezembro de 2014 para R$ 1,4 bilhão no mesmo período de 2015 – o que representa queda de 52,5%. As informações mostram que a queda dos pagamentos ocorre principalmente por causa da retração do número de contratações do governo com as investigadas. A construtora Queiroz Galvão, por exemplo, foi a empresa envolvida na Operação Lava Jato que mais recebeu recursos no ano passado: R$ 461,6 milhões. Analisando o orçamento fica claro que o governo “quitou” pagamentos com a empresa. Do total repassados em 2015, 75% são referentes aos restos a pagar, isto é, compromissos assumidos em anos anteriores, mas pagos neste exercício. A Queiroz Galvão aumentou significativamente os valores recebidos em relação ao ano de 2014, quando R$ 254,5 milhões foram destinados para a empresa. A maior parcela dos recursos repassados à construtora em 2015 foram referentes às obras de integração do Rio São Francisco com as bacias dos rios Jaguaribe, Piranhas-Açu e Apodi, no eixo norte da iniciativa. No ano anterior, a iniciativa contou com R$ 90,4 milhões. A empresa não tem mais restos a pagar a receber pela obra. A maioria das empresa, no entanto, não teve a mesma sorte da Queiroz Galvão. A situação delas pode ser ilustrada pelos repasses para a Construtora Norberto Odebrecht. Em 2014, a construtora recebeu sozinha R$ 1,5 bilhão do governo federal para obras. Cerca de 74% dos recursos foram destinados para a implantação de estaleiro e base naval para construção e manutenção de submarinos convencionais e nucleares. Em 2015, a retração dos recursos atingiu mais de 80%. Isso porque apenas R$ 269,6 milhões foram pagos para a empresa. Assim, a instalação do estaleiro, uma das maiores obras do governo federal, contou com apenas R$ 260,4 milhões. Apesar das investigações e do retração nos recursos, as empresas da Lava Jato deverão continuar contratando com a União. No final do ano passado, a presidente Dilma Rousseff assinou uma Medida Provisória, de número 703, que pretende conferir às empreiteiras atingidas pelo escândalo o direito de continuar a participar das licitações públicas, aliviando as regras duras, estabelecidas pela Lei Anticorrupção, para os acordos de leniência. A medida por muito criticada por parecer uma disposição de acomodação por parte do governo. Em nota, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) considera que a medida provisória vai regular o acordo de leniência para salvar empresas acusadas de corrupção pela Lava Jato. “A iniciativa afronta a independência do Congresso Nacional e a Constituição, que não permite medida provisória para disciplinar matérias que tenham relação com direito penal, processual penal e processual civil”, explica. De acordo com Helio Gurovitz, em publicação no seu blog, embora no curto prazo a MP facilite a retomada de obras e investimentos, está claro que não contribui em nada para romper as relações de “compadrio” vigentes. “Ao contrário, transmite uma impressão de que “tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes”, afirma. Situação das empresas Segundo Gurovitz, no lado das empresas, os sinais são ambíguos. Ele compara dois exemplos para entender como a mesma situação pode gerar reações diferentes, os casos da Camargo Corrêa e da Odebrecht. Ao contrário de sua atitude na Operação Castelo de Areia, a Camargo Corrêa, que recebeu R$ 120 milhões no ano passado, fez tudo certo na Lava Jato. Presos, os executivos decidiram que seria melhor contar a verdade e pagar o preço. Firmaram acordos de delação premiada, foram condenados e agora cumprem pena. A empresa fechou ainda um acordo de leniência com as autoridades que regulam a competição, pelo qual se comprometeu a pagar uma multa de R$ 804 milhões apenas pelo envolvimento na Lava Jato. Agora, o presidente do Conselho, Vitor Hallack, anunciou que incentivará os funcionários a confessar crimes de corrupção, sem punição interna, para acertar todas as contas com a Justiça. Trata-se, segundo ele, de uma questão de sobrevivência no mercado. A Odebrecht, por seu turno, faz o contrário. O advogados que defendem o ex-presidente Marcelo Odebrecht buscam todo tipo de filigrana jurídica para dificultar e protelar o julgamento. Depois de implicar com detalhes irrelevantes na transferência de informações bancárias da Suíça para o Brasil, agora eles tentam invalidar a transcrição do depoimento do delator Paulo Roberto Costa, por ter omitido um trecho que não faz nenhuma diferença no inquérito ou na denúncia. “É legítimo que advogados tentem fazer o possível em nome de seus clientes. O ridículo das investidas da defesa da Odebrecht, contudo, só faz revelar a solidez das acusações, fundamentadas num trabalho excepcional de investigação de contas no exterior, nos depoimentos e noutras provas. Continua de extrema importância, por sinal, que a defesa de Marcelo Odebrecht esclareça a menos críptica e mais eloquente anotação encontrada no iPhone dele: “risco cta suíça chegar campanha dela”. Dela quem, afinal?”, aponta o jornalista Para ele, o Brasil não será o mesmo depois da Lava Jato. Dificilmente alguém se aventurará a armar um esquema tão desavergonhado, com valores tão expressivos e com um custo tão alto para os cidadãos. “Mas o capitalismo de compadrio pode existir em várias formas, a corrupção opera em diversos graus. A dúvida agora é se teremos relações mais maduras e transparentes das empreiteiras com o Estado, como propõe a Camargo Corrêa, de Hallack. Ou se continuaremos a pagar o preço das relações de compadrio e privilégio, evidentes na MP de Dilma ou no iPhone de Marcelo Odebrecht”, conclui.
Publicada em : 29/01/2016

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