Fiscalização de barragens é frágil, deficiente e sem coordenação, diz TCU
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o processo de fiscalização das barragens é frágil, deficiente e carente de coordenação adequada. âNão atendendo, em consequência, aos objetivos da PolÃtica Nacional de Segurança de Barragens (PNSB)â, diz relatório. A fiscalização é realizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
O TCU realizou a auditoria em razão da tragédia de Mariana, em Minas Gerais. O Tribunal, dentro do seu rol de atribuições, pode concorrer para o diagnóstico das causas do acidente. As causas da tragédia estão sendo apuradas em diferentes foros e órgãos governamentais, tais como o Ministério Público, PolÃcia Federal e Ibama, o que implicará consequências nas esferas civil, criminal e administrativa, com a responsabilização dos culpados.
Em os problemas apontados pela Corte de Contas na fiscalização está o fato do cadastramento das barragens ser realizado por meio do fornecimento unilateral dos dados pelos empreendedores. O DNPM não possui meios de verificar a fidedignidade de tais informações, como softwares de georreferenciamento, serviços de imagens por satélite ou tecnologias como veÃculos aéreos não tripulados, além de cruzamento de dados ou acordos de cooperação com órgãos ambientais ou universidades. A verificação ocorre somente quando da ação fiscalizatória in loco.
A unidade técnica verificou ainda a precariedade no exame da documentação que as empresas devem encaminhar ao DNPM, como a Declaração de Condição de Estabilidade e o Extrato de Inspeção de Segurança regular. Apesar de o DNPM receber de forma periódica os documentos, a auditoria verificou que inexiste prática ou procedimento de trabalho para a sua análise sistemática, ou seja, constatou-se que, de forma geral, não são analisados rotineiramente os documentos recebidos dos empreendedores, ainda que para fins de verificar o estrito cumprimento de obrigação legal.
Quanto aos planos de segurança e planos de ação de emergência, que devem ser elaborados pelo empreendedor e ficar disponÃveis na barragem ou em local próximo, destacou-se que o DNPM ânão possui procedimento de trabalho de análise tempestiva que assegure seu efetivo cumprimento pelos empreendedores (...) em razão da precariedade da gestão documental do próprio órgão. Isso porque as informações estão armazenadas de forma fragmentada nos processos minerários (fÃsicos), o que dificulta seu acesso e seu tratamento, de forma rápida e eficaz.â
Vistorias
Em relação às vistorias, a equipe também detectou fragilidades: as superintendências regionais não participam do planejamento das fiscalizações nem seguem as diretrizes da Diretoria de Fiscalização da Atividade Minerária (Difis), não existe rotina de planejamento e de elaboração de plano de fiscalização, não há interação entre as regionais e a Difis; além de inexistir instrumentos de padronização de procedimentos de trabalho.
Talvez como resultado dessas deficiências, a equipe verificou que apenas 6% das fiscalizações entre 2012 e 2015 foram feitas em barragens consideradas de alto risco. A explicação poderia vir do fato que barragens classificadas como tal são minoria. Ocorre que, no mesmo perÃodo, apenas 35% das barragens dessa natureza foram fiscalizadas pelo DNPM.
Se conjugados o alto risco com o dano potencial associado (DPA), o resultado é que apenas 28% das estruturas enquadradas simultaneamente nas duas situações foram vistoriadas. Em alguns estados da Federação, a situação é mais grave; as superintendências do Amapá, Amazonas, Maranhão, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia e Sergipe não realizaram uma fiscalização sequer entre 2012 e 2015. No Estado do Amazonas, importante ressaltar, das treze barragens cadastradas, dez estão enquadradas na categoria A da matriz de risco crÃtico x DPA.
Nesse ponto, cabe fazer registro acerca do número de autuações realizadas pelo DNPM no perÃodo de 2012 a 2015 em comparação com os de 2016, após, portanto, o acidente de Fundão. A força-tarefa criada no âmbito da Superintendência de Minas Gerais lavrou, no corrente ano, quarenta e cinco autos de interdição, contra apenas cinco entre 2012 e 2015 em todo o Brasil. Ainda que, dos quarenta e cinco, dez tenham sido lavrados por ausência do protocolo do Plano de Ação de Emergência, exigência instituÃda somente com a edição da Portaria DNPM 4/2016, mesmo assim há enorme distância entre a quantidade de autos lavrados em 2016, somente em Minas Gerais, e aqueles relativos ao perÃodo 2012-2015 em todo o paÃs.
âConcluo, a partir desses números, que a fiscalização se encontrava altamente deficitária, porquanto bastou uma intensificação das vistorias, a propósito, tardia ao menos para as vÃtimas do acidente, para o aumento expressivo das autuações em decorrência de irregularidades nas estruturas de armazenamento de rejeitosâ, explica o ministro relator José Múcio Monteiro.
De acordo com Monteiro, a unidade técnica chegou à conclusão de que o DNPM não dispõe de instrumentos institucionais que permitam o acompanhamento sistemático das ações de fiscalização de segurança de barragens que vêm sendo realizadas no Brasil, uma vez que a Difis tem conhecimento tão somente do quantitativo de vistorias executadas, mas sem informações de cunho qualitativo.
Orçamento pequeno
Para piorar o quadro, limitações de ordem orçamentária, financeira e de recursos humanos impactam de maneira importante o desempenho do DNPM no que diz respeito à sua atividade fiscalizatória. Em estudo realizado pela Diretoria de Fiscalização da autarquia durante a elaboração da proposta orçamentária de 2015, foi apontada, para uma previsão de onze mil fiscalizações no exercÃcio, a necessidade de R$ 8 bilhões, o dobro do efetivamente autorizado no orçamento daquele ano.
Menciona-se que, com o advento da Lei 12.334/2010, novas atribuições foram destinadas à autarquia, tais como toda a regulamentação e fiscalização relativa ao Plano de Segurança da Barragem (PSB) e ao Plano de Ação de Emergência (PAE).
Na dimensão dos recursos humanos, a situação é semelhante. Por limitações orçamentárias, o DNPM não foi autorizado a preencher a totalidade de vagas de especialista em recursos da mineração. Atualmente, apenas 42% das vagas criadas pelo plano
de carreira estão preenchidas. A situação mais grave é da Superintendência de Minas Gerais (justamente o Estado onde ocorreu o desastre da Barragem de Fundão), que conta com 79 servidores, ante a necessidade de 384 para atender a demanda naquela unidade, segundo estimativas do DNPM.
Em levantamento realizado pelo TCU em 2011, verificou-se que o DNPM, em 1989, quando integrava a estrutura do Ministério de Minas e Energia, contava com 1.430 servidores. Em 2005, já transformado em autarquia, o órgão possuÃa apenas 811 servidores efetivos. âO déficit de mão de obra foi agravado com a implementação da PNSB, responsável pelo incremento de atribuições à autarquia, como já mencionadoâ, conclui o ministro relator.
O Contas Abertas já mostrou diversas vez o descaso com o orçamento para fiscalização de barragens. Confira aqui e aqui!
Publicada em : 22/09/2016