Entidades e sociedade são contra projeto de abuso de autoridade defendido por Renan

Entidades de classe, da sociedade civil, além da própria população, estão de olho na tramitação do projeto de lei de autoria de Renan Calheiros, que define os crimes de abuso de autoridade (PL 208, de 2016). As razões para a preocupação estão no fato do texto ofender garantias da magistratura e favorecer vinganças privadas, o que afetaria a operação Lava-Jato, na qual Renan é investigado. renan04O problema da proposta está no artigo 3º: “Será admitida ação privada subsidiária, a ser exercida se a ação pública não for intentada pelo Ministério Público no prazo de 15 dias”, diz o texto. “A ação privada subsidiária será exercida no prazo de seis meses”. Simplificando, o texto permite que ações sejam apresentadas por pessoas que alegarem ser vítimas de abuso de autoridade. Propor este tipo de ação, hoje, é uma competência do Ministério Público. Com o projeto de Renan, fica permitido ações privadas caso o MP nada faça em 15 dias. Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a criação de Comissão Especial pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), para votar a matéria justamente neste momento de intenso enfrentamento à corrupção no Brasil parece uma tentativa de intimidação de juízes, desembargadores e ministros do Poder Judiciário na aplicação da lei penal em processos envolvendo criminosos poderosos. “A independência judicial existe para assegurar julgamentos imparciais, imunes a pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos. Ela garante que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo tipo de usurpação. Trata-se de uma conquista da cidadania, que é garantia do Estado Democrático de Direito e essencial à proteção dos direitos fundamentais do cidadão”, explica nota da entidade. A população está mostrando a indignação em relação ao texto no próprio site do Senado Federal, onde é possível se mostrar a favor ou contra o projeto. Para participar é bem simples é só entrar no link (http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=126377) e apertar no botão de preferência. É rápido e fácil. Até o momento, já foram mais de 2.097 votos, sendo que quase 99% das pessoas são contra o texto. Renan anunciou a decisão de acelerar a tramitação do tema e decidiu assinar a autoria do anteprojeto, agora já com número, que estava parado na Casa. A proposta foi enviada para a Comissão da Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição, presidida pelo peemedebista – e também investigado pela Lava Jato – Romero Jucá (PMDB-RR). Na última quarta-feira (6), Jucá instalou a comissão especial sem nomear relator para o texto. Nesta terça-feira, Jucá apresentou relatório do projeto. A matéria teve pedido de vista coletivo e voltará a ser discutida em sessão marcada para o dia 16 de agosto. Dessa forma, ao contrário do que solicitou Renan Calheiros, que pediu votação ainda nesta Legislatura, o assunto será discutido e votado somente no próximo semestre. O senador explicou que, ao recriar a Comissão, o presidente Renan Calheiros pediu prioridade, mas que, diante os questionamentos de vários parlamentares e da sociedade, a medida terá que ser discutida sem açodamento. Além disso, o senador Jucá enviou ofício para vários órgãos governamentais no sentido de receber contribuições que possam melhorar e aperfeiçoar o texto. De acordo com o senador, os ofícios foram encaminhados na semana passada ao Ministério Público Federal (MPF), Receita Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Polícia Federal, Procuradoria do TCU, Procuradoria do Trabalho, Ministério da Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) produziu uma nota técnica com críticas ao relatório de Romero Jucá. Num trecho da nota técnica, a entidade adverte que o relatório de Jucá estimula "o uso de ações criminais privadas como forma de coação, inibição e vingança em face de atuações regulares e corretas do Estado", beneficiando os "mais ricos e poderosos" - com acesso a advogados caros. "Trata-se, portanto, de medida que em tudo favorecerá ações deletérias, e sem nexo, ou voltadas apenas para fins de vingança privada." Os procuradores alertaram também para a ausência de "explicação racional ou calcada na realidade fática" que justifique a votação urgente do projeto. Alegam risco de que o objetivo da pressa seja "coibir e inibir a ação do Estado no controle e persecução penal da corrupção". “Quero dizer aqui que este projeto é fruto de um debate da Comissão do Pacto Federativo e foi apresentado em 2009. Não estamos querendo coibir qualquer tipo de operação. A matéria, portanto, não tem foco na operação Lava Jato”, destacou Jucá na apresentação do relatório. Já Renan defende o projeto, alegando que a legislação que trata do tema é “anacrônica e gagá”. Ele nega que o objetivo seja diminuir o poder de investigação da Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Segundo Renan, o projeto “não é contra ninguém” e há um consenso na sociedade de que a legislação sobre abuso de autoridade precisa ser atualizada. Calheiros acrescentou que o fato de ter algum senador sendo investigado não impede o Senado de legislar. “O Senado não pode esperar. Precisamos aprimorar a legislação e este projeto é um avanço que o Brasil precisa”, afirmou Renan.
Publicada em : 12/07/2016

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