Com R$ 10,6 bi, "setor de propina" da Odebrecht superou PIBs de 33 países
Reportagem de Janaina Garcia, do Uol, mostra que o valor pago pelo "setor de propinas" da Odebrecht entre 2006 e 2014 à classe política superou o PIB (Produto Interno Bruto) de 33 de 217 países listados em um ranking do Banco Mundial a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). O levantamento considera os dados consolidados mais recentes do Fundo, de 2015.
Ao todo, o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido na empreiteira como o departamento em que as propinas eram pagas, movimentou aproximadamente US$ 3,37 bilhões - o equivalente a R$ 10,6 bilhões - entre os anos de 2006 e 2014.
Conforme a lista do BC, a partir dos dados de 2015 do FMI, a soma destinada às propinas da empreiteira a políticos superou o PIB de países como a Guiana (US$ 3,166 bilhões), Burundi (US$ 3,097 bilhões), Lesoto (US$ 2,278 bilhões), Butão (US$ 2,057 bilhões) e Libéria (US$ 2,053 bilhões). O menor PIB, de Tuvalu (US$ 32.67 milhões), é mais de 100 vezes inferior ao destinado pelo setor de propinas da empreiteira a políticos agora investigados na Lava Jato.
O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembra que se os mais de R$ 10,6 bilhões destinados a propinas pela Odebrecht fossem convertidos em obras públicas, poderiam gerar, por exemplo, cerca de 5,4 mil creches para atender mais de 800 mil crianças.
Outros investimentos possíveis com o montante total da propina seriam 5 mil UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) de R$ 1,4 milhão cada; quase 84 mil ambulâncias de R$ 122.750, cada; ou mais de 55 mil ônibus escolares. O cálculo, segundo Castello Branco, considerou valores do Ministério do Planejamento e da Comissão de Orçamento do Congresso.
"Ver essa soma de propina passa a impressão de que o Brasil perdeu o referencial dos custos de suas obras. Se há uma 'gordura' de superfaturamento nesse montante - e é evidente que há - qual seria o custo real das obras públicas, executadas por empreiteiras, sem esse sobrepreço?", indagou.
Para Castello Branco, o Brasil está perdendo a oportunidade de abrir o mercado para empresas internacionais e até favorecer empresas pequenas e médias. “Se apenas uma empresa movimentou R$ 10 bilhões à título de propina, a soma do conjunto do superfaturamento que esse cartel gerou é astronômica", avaliou.
Para o especialista em contas públicas, porém, falta ainda o cidadão associar a corrupção à sua realidade mais próxima.
"O brasileiro não tem exatamente consciência sobre a representatividade do montante pago em propina. A sociedade acaba associando a corrupção a um crime contra o patrimônio, contra o Estado, ao tipificar, como crimes de corrupção, peculato e tráfico de influência, por exemplo. É preciso relacionar esses crimes contra algo que lhe é mais imediato, como creches ou transporte, e mirar sua indignação mais profunda a isso e não somente aos criminosos que roubam relógios ou automóveis ", defendeu. "Se fomos roubados pela Odebrecht em mais de 5,3 mil creches, por exemplo, é hora de pensar que isso foi pago por nós”, conclui.
Propinas
A informação sobre o total de pago em propina foi fornecida pelo ex-diretor da área financeira da empreiteira, Hilberto Mascarenhas, que desde 2006 chefiava o setor. Com 40 anos de serviços prestados à Odebrecht, entre 1975 e 2015, Mascarenhas foi um dos 77 executivos que firmaram acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República e que tiveram o sigilo da delação quebrado pelo relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Edson Fachin.
Mascarenhas entregou à Lava Jato uma tabela com o valor total movimentado pelo Setor de Operação Estruturadas no período. No depoimento, o delator relatou ainda ter sido "intimado" por Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo Odebrecht, para chefiar o setor. Preso desde junho de 2015 em Curitiba, Marcelo era o presidente da construtora Norberto Odebrecht quando escolheu o então diretor para a área que movimentaria as somas destinadas ao pagamento de propinas.
Publicada em : 20/04/2017