CA no El País
ENTREVISTA | GIL CASTELLO BRANCO, FUNDADOR DA CONTAS ABERTAS, AO EL PAÃS
âApesar do discurso de ajuste, Temer só eleva despesas desde que assumiuâ
Para o economista, medidas do presidente interino são âcompletamente contraditóriasâ
Ao assumir a presidência em maio, Michel Temer afirmou que não estava preocupado com a sua popularidade e que o seu Governo interino "cortaria na carne" para tirar as contas do paÃs do vermelho. No entanto, para o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da organização Contas Abertas, em menos de dois meses no poder, Temer tem caminhado na contramão do seu discurso de austeridade. O presidente interino já cede à s pressões polÃticas para assegurar sua permanência, vivendo uma dicotomia entre o que seria racional do ponto de vista econômico e aquilo que é possÃvel dentro do ambiente polÃtico. O pacote de bondades dos últimos dias - aumento aos servidores públicos, beneficiários do Bolso FamÃlia e a renegociação da dÃvida dos Estados -, que eleva fortemente os gastos, deve ter consequências graves, segundo Castello Branco, e tornar ainda mais distante a possibilidade da esperada retomada da economia brasileira no próximo ano.
Pergunta. O presidente interino Michel Temer vem concedendo um pacote de bondades em meio ao ajuste fiscal. Não é uma ação muito contraditória ao seu discurso inicial de austeridade?
Resposta. à completamente contraditório do ponto de vista racional. Michel Temer está vivendo um dilema entre o que seria racional do ponto de vista econômico e aquilo que é conveniente sob o ponto de vista polÃtico. Isso faz com que o dream team econômico, do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, sofra uma derrota fragorosa contra o âtime dos polÃticosâ. O que se viu até agora de positivo foi a proposta de criação de um teto de gastos para 2017, que teria como base as despesas de 2016 corrigidas pela inflação, mas, por outro lado, vimos um festival de aumento dos salários. Além disso, ele aprovou a renegociação das dÃvidas com os estados beneficiando as federações e [na semana passada] o reajuste do Bolsa FamÃlia, inclusive em porcentual maior do que a presidente Dilma Rousseff havia prometido, passando de 9% para 12,5%.
P. Temer também assinou a Medida Provisória que libera 2,9 bilhões de reais para o Governo do Rioâ¦
R. Sim. Desde que ele assumiu, o que temos, na verdade, é o crescimento de despesas. A explicação que a área econômica tem dado é que essas despesas estavam previstas na nova meta fiscal - que prevê um déficit de 170,5 bilhões de reais-, mas essa explicação não convence. à exatamente por conta de despesas exorbitantes que nós vamos chegar a esse resultado pÃfio. Com a base polÃtica ampla que o atual presidente possui no Congresso, extremamente favorável à mudança de Governo, se ele quisesse ousar e perseguir a racionalidade econômica, poderia tentar fazê-lo. O problema é que nesse momento, sem dúvida nenhuma, essa relação polÃtica se sobrepõe ao ajuste fiscal.
P. Corremos o risco de que as medidas do ajuste fiscal não consigam ser aprovadas outra vez como aconteceu com Dilma?
R. Exatamente, se ele não conseguir fugir desse dilema, ele entrará no mesmo processo que entrou o Governo Dilma e o próprio ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Ninguém criticava a qualidade da equipe do Levy. As medidas estão postas, o diagnóstico já foi absolutamente concluÃdo e não foi só agora, já havia consenso há algum tempo. No próprio Governo Dilma as medidas necessárias já estavam claras, já se sabiam as soluções. No entanto, tais medidas nunca foram tomadas pela falta de ambiente polÃtico para que elas fossem implementadas. O que se vê agora, é mais uma vez essa situação: a dicotomia entre o que seria racional do ponto de vista econômico e aquilo que é possÃvel dentro da conjuntura polÃtica. O presidente tem cedido à s pressões do Congresso, naturalmente para fortalecer a sua situação, porque no momento ele ainda é interino. A sua primeira preocupação é sair da interinidade para conseguir solidificar a permanência. O receio que tenho é que após o impeachment, caso ele seja aprovado, haja uma nova fase de estagnação em decorrência das eleições municipais deste ano. Esse jogo polÃtico acaba sempre se prolongando e o Presidente da República se vê obrigado a ceder politicamente em detrimento do ajuste, o que obviamente tem consequências.
P. Fica mais distante a possibilidade de uma retomada da economia no próximo ano?
R. Sim, a grande questão é como sair desse buraco fiscal que nós nos metemos. Não sairemos desse buraco com paliativos. São necessárias medidas duras. A própria reforma da Previdência, que todos nós aguardamos, também está em compasso de espera. Comenta-se que ela só será encaminhada ao Congresso depois das eleições municipais. Depois virá a proximidade do fim do ano, os parlamentares sairão de recesso... Quero imaginar que em algum momento, no entanto, os polÃticos terão que priorizar a situação econômica. O problema é que eles exercem uma verdadeira chantagem, se valendo da fragilidade do presidente nesse momento. Aprovam medidas que aumentam os gastos, sob a promessa que em algum momento serão tomadas medidas de contenção das despesas, como é o caso do teto. Mas o próprio mercado financeiro já discute a questão do teto. O que seria ele? As despesas de 2016 corrigidas pela inflação. Mas, se as despesas deste ano estão sendo exponencialmente elevadas, o teto não será nenhuma maravilha, e no curto prazo não irá gerar reforma fiscal de maior impacto. Por isso, o melhor seria que esse perÃodo interino fosse o menor possÃvel. A fase de transição acaba gerando essa situação polÃtica, com consequências na economia.
P. O mercado financeiro já está reagindo negativamente ao Governo Temer?
R. As incertezas certamente já aumentaram, como já revelaram algumas pesquisas de opinião. Diminuiu a margem dos que achavam que o novo governo conseguiria reformas vigorosas e que o Brasil voltaria a crescer de forma intensa a partir de 2018. Ou seja, não há mais a mesma expectativa favorável. O aumento do Bolsa FamÃlia, por exemplo, em porcentual superior ao que a presidente afastada propunha, tem por objetivo meramente melhorar a popularidade no presidente no meio social. A preocupação em agradar é óbvia, até´porque a sua desaprovação é bastante semelhante à de Dilma. Nesse sentido, o governo também se preocupou em agradar aos governadores, como foi visto com o reajuste da dÃvida que foi feito à s pressas, e os servidores públicos, notadamente do Judiciário. Temer está atuando com o radar polÃtico bastante afiado, mas a consequência é o descontentamento do mercado. A peça fundamental para a retomada do crescimento econômico seria o retorno da confiança do empresariado que investiria mais, o que abrandaria a recessão, gerando efeitos imediatos na arrecadação. Dessa forma - com o aumento da arrecadação e a redução das despesas - surgiria espaço fiscal favorável, até por conta da queda da inflação. Nesse cenário, o Banco Central poderia reduzir os juros. A relação divida/PIB seria afetada de forma positiva, invertendo-se a tendência atual. Nesse conjunto de fatos e reflexos a equipe econômica estava se apoiando nos primeiros discursos.
P. Quais deveriam ser as prioridades além da Reforma da Previdência para arrumar as contas?
R. Creio que as medidas são exatamente aquelas que o Governo Temer cogitou no inÃcio da sua gestão. A começar pelo Orçamento base zero, uma análise aprofundada de todos os programas que estão em andamento até para verificar a relação de custo benefÃcio. Também é preciso discutir desonerações, isenções e incentivos fiscais. Tudo o que está prometido no documento âUma Ponte para o Futuroâ, divulgado pelo PMDB, precisa ser atacado com rigor. Se comenta que o governo dará ênfase à s privatizações e concessões, que estão sendo tratadas pelo ministro Moreira Franco, mas a fase atual ainda é a de desenho da modelagem, e de concreto muito pouco aconteceu. Enfim, Temer está carregando o ônus de priorizar a sua permanência. Além do pacote de bondades da economia, que eu prefiro chamar de maldades, há outros pacotinhos ou saquinhos com os quais que ele sinaliza que a questão polÃtica, no momento, é predominante. Para complementar, os recuos na formação da sua equipe associados à Operação Lava Jato - e ninguém sabe até aonde a investigação vai avançar - cria um clima que não é o ideal para a retomada dos investimentos.
P. Nessa semana a perÃcia técnica do Senado indicou não haver provas que Dilma tenha contribuÃdo diretamente para as pedaladas. O senhor acredita que isso enfraquece o pedido de impeachment e pode alterar o desenrolar do processo?
R. Quem vinha acompanhando o processo de maquiagem das contas públicas, desde a chamada contabilidade criativa, sabe que é incontestável que a presidente afastada tinha pleno domÃnio do que estava acontecendo. à claro que nas pedaladas não se encontraria uma assinatura dela, era previsÃvel. Mas a pedalada não dependia de um ato dela, como foi a questão dos decretos. Eram questões tratadas com o aval dela, mas sem assinatura. E se ela não pecou pelo ato direto, pecou pela omissão. O assunto das pedaladas era discutido em todos os jornais do paÃs e ela não se posicionou contrariamente. Essa perÃcia em nada altera o processo. Um argumento a mais, porém pÃfio. Atualmente, nem o PT quer a permanência dela. Então a turma que a defende o faz por uma questão de compromisso. à mais fácil os petistas salvarem o partido sem ela. A Dilma já é um peso pesado, um cachorro morto, com uma desaprovação maior que 70% por parte dos brasileiros. à muito mais fácil os petistas irem até 2018 como oposição, em um campo em que sabem jogar.
Publicada em : 04/07/2016