“Abuso de autoridade deve tratar os detentores de poder igualmente’, diz Gil Castello Branco
Após a tentativa de criminalizar a conduta de juízes e membros do Ministério Público (MP), no bojo do projeto de lei das Dez Medidas de Combate à Corrupção, desfigurando-o, o Senado Federal quer aprovar o Projeto de Lei 280/16 que define crimes de abuso de autoridade, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB/AL).
Para o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, na contramão do desejo popular, o que a Câmara dos Deputados fez, no projeto das Dez Medidas, foi desigualar membros do MP e juízes dos demais agentes públicos. “Isso acontece, pois somente para magistrados e promotores criminalizou condutas, de forma subjetiva, o que não foi feito com relação a nenhuma outra categoria, no serviço público, como, por exemplo, a de deputados e senadores, não incluídos na emenda aprovada”, explica.
No projeto de autoria de Renan Calheiros, que tramita no Senado Federal, a situação não foi diferente. Castello Branco explica que apesar da proposição afirmar que são sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade membros do Poder Legislativo, o que ocorre, na verdade, é que, no Capítulo VI dos Crimes e das Penas, fica difícil encontrar artigos que descrevam, claramente, condutas que possam servir para enquadrar os membros do Congresso Nacional.
“O projeto se dedica, quase que integralmente, a criminalizar, novamente, condutas praticadas por juízes e membros do Ministério Público, como a chamada criminalização da hermenêutica – que é o direito de interpretar a norma. Referido direito foi frontalmente atingido pelo projeto, sem guardar, todavia, similaridade com a conduta do parlamentar, no exercício da função de legislar”, explica.
O economista ressalta que somente com esforço é possível identificar um ou outro artigo capaz de levar os detentores de mandato legislativo a responderem por crime de abuso de autoridade, sem cobrir possibilidades específicas que podem acontecer no exercício de suas funções.
Um desses exemplos pode ser o artigo 37, que criminaliza a conduta daquele que coibir, dificultar ou, por qualquer meio, impedir a reunião, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo. “Essa situação é frequente no Congresso Nacional, quando o povo é impedido de acessar galerias ou até mesmo de transitar pelos salões do Parlamento, em votações relevantes, como foi, por exemplo, o caso da deliberação do Projeto das Dez Medidas”, afirma.
Outro exemplo é o artigo que considera crime praticar ou mandar praticar violência física ou moral contra pessoa, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la (art. 23).
Castello Branco ainda aponta que não estão no texto do projeto, por exemplo, previsões que se tentou impingir aos magistrados e membros do MP, ao mesmo tempo em que se deixou de fora condutas abusivas, muitas vezes denunciadas com frequência como sendo atos praticados por parlamentar:
“Sem a previsão exata das condutas, não haverá crime, por mais abusiva que seja a conduta do membro de Poder Legislativo. Se a intenção do projeto é acabar, de forma louvável, com a cultura do “você sabe com quem está falando”, conforme está na sua justificativa, os parlamentares não devem ficar de fora”, explica.
O secretário-geral da Contas Abertas afirma que é necessária uma emenda, nesse aspecto, e a correção de todas as situações abusivas, existentes no projeto. “É o mínimo que a sociedade espera”, conclui.
Confira quais seriam as condutas que poderiam ser acrescentadas ao PL que define abuso de autoridade, na opinião de Gil Castello Branco:
I - abusar do poder de contingenciar recursos de emendas parlamentares ou de prover cargos de livre nomeação com o fim de influenciar votações no Poder Legislativo;
II- usar abusivamente verbas publicitárias públicas com o fim de influenciar, interferir ou controlar a linha editorial de veículo de comunicação;
III - utilizar abusivamente de instrumentos de transferências voluntárias de recursos públicos com o fim de obter apoio político ou eleitoral; e
IV - usar abusivamente prerrogativa parlamentar, com o fim de atender a interesse pessoal próprio ou de terceiros, ou de retaliar instituição pública ou privada, ou de compelir o chefe do Poder Executivo a nomear apadrinhados ou cabos eleitorais ou a descontingenciar recursos de emenda parlamentar, ou para favorecer financiador de campanha.
Gil Castello Branco remarca que, se o Congresso Nacional insistir em criminalizar as condutas abaixo em relação aos representantes do MP e da Magistratura, deverá, também, prevê-las para parlamentares:
I – ser patentemente desidioso no exercício do cargo;
II –proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo;
III – exercer qualquer atividade, pública ou privada, incompatível com a função parlamentar;
IV – receber, a qualquer título ou pretexto, bens, valores, favores, vantagens ou outros, que não apenas os subsídios do cargo;
V – descumprir atos normativos de qualquer das Casas do Congresso Nacional, ou, agir em flagrante contrariedade à lei e à Constituição Federal; e
VI – violar os princípios constitucionais da Administração Pública, notadamente, os princípios da impessoalidade, visando perseguir ou beneficiar, sem justa causa, pessoas físicas e jurídicas.
Publicada em : 07/12/2016